Creed: Nascido Para Lutar

Creed: Nascido Para Lutar

1. Porque todo filme de boxe vale a pena ㅡ mesmo aquele em que Orlando Bloom toma leite demais, o que o faz resistente aos socos. Há, afinal, algo de intrinsecamente cinematográfico na trajetória de um boxeador. A sequência de treinamento, alternada com cenas do personagem de tornando uma pessoa melhor depois de toda barra que enfrentou, é um crescendo que recompensa o espectador durante a luta final cuja emoção explode a cada soco, a cada esquiva, a cada vez que ele se recupera do que deveria ter sido um nocaute.

2. Creed: Nascido Para Lutar (Creed, 2015) sai na frente por nos dar uma chance de ver novamente Sylvester Stallone como Rocky Balboa, seu maior personagem. Mais: é sua maior atuação como o boxeador veterano ㅡ parte pela direção de atores precisa de Ryan Coogler, parte pelo roteiro, com diálogos mais econômicos e precisos do os que Stallone escreveu para os demais filmes da cinessérie ㅡ, além de possibilitar uma apropriada passagem de bastão para a próxima geração de atores.

3. Ainda sobre Stallone: seu retorno ao personagem é o que se chama, em geral com certa levianidade, de “atuação corajosa”. Parte por ele ter pela primeira vez em sua carreira permitido que outra pessoa assumisse o roteiro de um filme envolvendo seu precioso Rocky, parte por abrir mão de sua vaidade para atravessar uma dramática sequência. Não é pouco para alguém que ainda se orgulha de sua boa forma aos 69 anos (e sacrificou sua saúde e aparência para isso).

4. Mas, como o nome adianta, o filme é sobre Adonis Johnson Creed (Michael B. Jordan), filho que Apolo Creed (Carl Weathers), o primeiro grande adversário de Rocky, teve fora do casamento. O berço de ouro chegou quando ele já tinha um longo histórico de orfanatos e prisões para jovens e crianças. Esse tipo de violência social deixa marcas profundas, não importando quantos quartos tenha a mansão que você vai morar dali em diante.

5. Rocky Balboa (2006) abordava marginalmente a questão do quão problemático é crescer à sombra de um ícone. Creed traz isso para o centro da trama. Adonis não luta por dinheiro e legitimidade para ele vem apenas em segundo plano. Há muito ódio por tudo o que passou até chegar ali e o ringue é um dos poucos lugares em que a sociedade “civilizada” permite a liberação da selvageria. A “fera” que Rocky teve que domar em seu último filme.

6. Por isso importa muito pouco quem Adonis vai enfrentar. Seu verdadeiro adversário é ele mesmo, coisa que a história reforça o tempo todo nos discursos de Rocky, agora treinador; na própria lógica de treino de boxe como simular luta com a sombra ou o espelho; no arco dramático de Balboa, também obrigado a enfrentar a decadência de seu próprio corpo.

7. Coogler já havia feito um filme sobre como os EUA ainda são racistas. Creed não repete o assunto, fazendo com que as questões raciais estejam presentes porém perpassando a narrativa. O conflito está lá, mas não o tempo todo. Nesse sentido lembra mais a vida real do que Fruitvale Station, seu trabalho anterior que fora baseado em fatos reais.

8. Uma luta de boxe no cinema precisa ser um espetáculo sensorial. Coogler filma a primeira luta importante em um plano-sequência que faz prender a respiração e arregalar os olhos. Um corte, afinal, implica em alívio para o espectador. Mas o alívio não vem para quem assiste da mesma forma que não vem para o jovem Creed. Daí sua força.

9. Como superar o plano-sequência em tempo real da luta que vimos antes? A resposta de Coogler envolve revisitar todos os grandes filmes sobre o assunto, de Touro Indomável (Raging Bull, 1980) a Nocaute (Southpaw, 2015); de O Campeão (The Champ, 1979) a Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004); de O Lutador (The Boxer, 1997) a O Vencedor (The Fighter, 2010); de A Luta Pela Esperança (Cinderella Man, 2005) a Ajuste de Contas (Grudge Match, 2013).

10. A fonte direta, porém, ainda é Rocky: um Lutador (Rocky, 1976). Por isso o que deveria ser uma luta fácil do atual campeão vai, aos poucos, se tornando uma batalha disputada soco a soco, ao longo dos 12 longos rounds. A câmera lenta e a sonoplastia exagerada fazem de cada impacto uma explosão na tela.

11. Creed não é Rocky, mas trilha seus passos. O inevitável beijo na lona acontece.

12. Algumas vitórias são amargas como derrotas. Algumas derrotas são conquistas inimagináveis. Entender isso e seguir adiante apostando em fazer cinema, explorar o drama desses personagens através de sua relação com a câmera, faz com que Creed seja ainda mais impressionante e humano do que toda a cinessérie de Stallone jamais foi.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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