“Fruitvale Station: A Última Parada” transforma uma estatística em um ser humano

Fruitvale Station: A Última Parada

Na comemoração da virada do ano de 2008 para 2009 o jovem Oscar Grant, de 22 anos, pai, ex-presidiário (preso por tráfico), foi morto em uma estação de metrô na região metropolitana de San Francisco, Califórnia, enquanto voltava para casa com seus amigos. O incidente aconteceu por um erro de um policial que decidiu atirar nas costas do jovem, enquanto este estava sendo imobilizado. O fato gerou revolta na população, que se manifestou contra preconceito de cor através de violentos protestos.

As três frases acima resumem, em estilo jornalístico-telegráfico o que aconteceu com Oscar e as consequências disso. O que elas não contam é quem foi Oscar. O que ele queria da vida? Quais suas aspirações? Como era sua relação com a família? E são essas perguntas que “Fruitvale Station: A Última Parada” tenta responder. Ao transformá-lo em uma pessoa real, ao lhe retirar o status de estatística, com seus defeitos e qualidades, o filme desnaturaliza discursos prontos, escancarando o preconceito racial ainda latente.

Quem assume a pele de Oscar é Michael B. Jordan, ator revelado em “The Wire”. Em entrevistas, ele disse que andou pela cidade com os amigos e família de Oscar, buscando compreender e incorporar seus trejeitos e maneirismos. Isso pouco importa para o público, que não conheceu ele, afinal. Mas importa para criar uma sensação de verdade. Afinal, se os amigos e família reconhecerem Oscar no filme, a missão estará cumprida. Cinema como máquina de representação e veículo de empatia.

Eis o mérito do roteiro, construído com habilidade de artesão pelo diretor, Ryan Coogler, estreando em longas. “Fruitvale Station” acompanha as últimas 24 horas da vida de Oscar – que seguem mais ou menos linearmente, salvo um único flashback. Tudo o que vemos são seus erros do passado voltando, cada vez com mais força, para o atormentar. E, mais do que isso, sua luta para fazer direito. Para dar certo, dessa vez.

Desenvolvemos uma profunda empatia por Oscar, à medida em que vemos ele brincar com sua filha ou seus sobrinhos. O carinho que sua mãe e avó têm por ele, e como sua irmã o procura ao primeiro sinal de dificuldade. Ou como vemos ele se esforçar para fazer a namorada acreditar que ele está fazendo direito. A humanidade de Oscar, sempre sorridente, sempre amável com as pessoas, toma a tela. Daí a crueldade do desfecho (anunciado desde a primeira cena, que mostra a filmagem real feita por um celular).

O que “Fruitvale Station” faz, e muito bem, é dar a dimensão real do vazio que a presença de Oscar fará na vida de todas essas pessoas. Questão que suplanta o comentário racial – ainda que não o substitua. É como se finalmente entendêssemos o tamanho da consequência gerada por todo o ódio racial que insistimos em manter como regra, ainda hoje.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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