Star Wars – A Trilogia Clássica

Star Wars - A Trilogia Clássica

Em uma de suas colunas para a Folha de S. Paulo, Michel Laub fez uma bela reflexão sobre o que é um clássico. Para ele, dentro da lógica da cultura pop, clássica é a obra que resiste aos repetidos testes do tempo. Em nossa modernidade é bem difícil pensar em um evento cinematográfico que tenha sobrevivido a mais testes e que ainda siga dominante, sendo referenciado por uma série de outros filmes – toda obra de Kevin Smith e episódios especiais de Uma Família da Pesada, entre outros tantos. Os três primeiros Star Wars, em maior medida, e os três seguintes, em menor, são importantes – isso é um fato. Mas por quê?

George Lucas não inventou a roda. Sua fantástica ópera espacial é uma miscelânea de diversas histórias, desde A Princesa de Marte até Flash Gordon. Os estereótipos masculinos de Luke Skywalker e Han Solo já apareciam no cinema de faroeste e em muitos thrillers criminais. Leia, por mais durona que seja, não apenas é a única mulher de destaque na trama como também é uma princesa sequestrada à espera de um cavaleiro de armadura. O sucesso, então, se explica em parte por esse caráter meio genérico que surge do balanceamento bem dosado de diversos elementos já testados e aprovados, desta vez embalados com um verniz único.

O primeiro filme é o quarto de uma longa história que começa “há muito tempo, em uma galáxia distante”; a Força – antiga e poderosa fé – é tomada como superstição; os sabres de luz, arma elegante de tempos civilizados. Todos esses elementos que situam os primeiros três filmes dentro de um contexto maior são características exploradas por diversos livros, quadrinhos, filmes, animações e séries de TV desde então, e que a Disney seguirá explorando. Essa combinação de detalhes confere à Saga sua característica mais importante: a transcendência, uma sensação de fazer parte de algo maior do que nós mesmos.

Peter Biskind, em seu livro sobre o cinema americano na década de 70 , identifica no confronto entre os rebeldes e o Império a mesma relação entre George Lucas e seus pares – cineastas que queriam ser autores – em choque com os grandes estúdios, estes só interessados no lucro bruto. A identificação é imediata.

O Império simboliza portanto as instituições totalizadoras, daí parte da identificação, já que o desencanto generalizado é patente na segunda década do século XXI. Se no final dos anos 70 e começo dos 80 a metáfora óbvia era a da União Soviética e demais regimes análogos, agora a relação é com os governos e empresas que são pesados e influentes demais para seu próprio bem. O Império também busca a ordem positivista e estéril sobre o que enxerga como caos. Os indivíduos não têm lugar, daí a uniformização agressiva e a possibilidade de substituição de toda e qualquer pessoa. Vale para as dezenas de almirantes mortos por Vader e logo substituídos pelo titular do cargo imediatamente abaixo, mas vale também para a dupla Sith, que quer o jovem Skywalker para assumir um dos dois cargos.

A paranoia por controle e vigilância do Império é o que possibilita todo um sistema parasitário de contrabandistas e mafiosos, representados aqui pelos Hutts. Eles são tolerados pelo regime como um mal necessário, enriquecendo ao preencher vazios deixados pelo domínio centralizador do Império. Enquanto isso famílias trabalhadoras como os Skywalker, de planetas que estão na periferia do poder, ficam empobrecidas. Luke não pode seguir seu sonho de ser um piloto porque precisa ajudar seu tio nas colheitas.

A resposta a esse regime totalizante está na conciliação das diferenças e na retomada de valores que pregam a integração do universo. Vader é não apenas um líder dominador como perdeu sua humanidade ao se tornar mais máquina do que homem. Luke se torna forte ao aprender compaixão e amor ao próximo, não deixando que a ambição e a sede de poder se tornem seus motivadores. Ele, afinal, encontra seu próprio caminho, a despeito dos planos de Yoda e Obi-Wan Kenobi ou de Vader e Palpatine. Um filho do regime totalitário usa conhecimento antigo para criar uma nova forma de pensar, através do perdão e da amizade entre os povos, da harmonia entre as espécies e do empatia total.

É por isso que as últimas três décadas foram dominadas culturalmente por Star Wars. Como poderíamos ver uma representação direta de tudo o que tememos ser combatida e não nos conectarmos com isso? Como não se emocionar ao ver que a resposta não está no combate (ainda que o apego às patentes militares da rebelião seja incômodo), mas sim na harmonia? A saga da família Skywalker é uma resposta aos nossos anseios e medos, não se limitando a diagnosticar a parte do problema: ela oferece, também, uma solução.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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