Um Homem Entre Gigantes

Um Homem Entre Gigantes

Como muitos dos títulos lançados recentemente por Hollywood, Um Homem Entre Gigantes (Concussion, 2015) procura discutir o que significa ser estadunidense. O foco vem da colisão de dois universos distintos e tipicamente americanos: o imigrante dedicado e a grande corporação desumanizada, o que se traduz no ideal americano – a terra da oportunidade, onde um homem é medido pela sua habilidade e força de vontade – em confronto com a América real – o lugar onde o dinheiro manda.

O homem em questão é Bennet Omalu (Will Smith), médico nigeriano que trabalha como legista em Pittsburgh. Sua dedicação e respeito para com os cadáveres o levam a descobrir uma correlação entre problemas neurológicos e a quantidade de pancadas que um jogador de futebol americano leva ao longo da vida profissional. Isso quer dizer que o esporte mais rentável do mundo, ícone do estilo de vida norte-americano, leva seus atletas à demência e morte. A NFL não tinha como deixar barato tamanha petulância.

A sequência inicial mostra Dr. Omalu sendo questionado em um tribunal. A única função desta cena é provar que ele não apenas é bastante inteligente e sagaz, como também é qualificado. O filme começa de fato quando acompanhamos o seu dia a dia de trabalho meticuloso correndo em paralelo aos últimos dias de Mike Webster (David Morse), veterano do esporte que aos poucos vai perdendo a sanidade. Quando o cadáver do ex-jogador chega nas mãos do legista, seu olhar meticuloso o leva a questionar as evidências, descobrindo a relação direta entre a prática do futebol americano e a degeneração mental dos jogadores depois dos 40 anos.

A câmera de Peter Landesman replica a postura de Omalu diante dos cadáveres, buscando o respeito e a empatia, ainda que guardando uma espécie de frieza, de distanciamento crítico. Na prática este é o efeito estético de se combinar os closes e super closes, especialmente no rosto de Smith, com uma paleta de cores que tende ao azul. A proximidade da câmera não cria intimidade, mas sim interesse, tom que transborda para as relações sociais e afetivas: Omalu, por mais integrado que seja, será sempre um imigrante.

O Dr. Benett Omalu é a personificação do ideal americano. A lenda que prega que os EUA recebe imigrantes de braços abertos e os dá a liberdade para serem “a melhor versão possível de si mesmos”. A NFL, por outro lado, é a América real: mesquinha e preocupada com o lucro independente dos riscos – e independente da ciência, o que é ainda mais problemático para um homem tão racional quanto o personagem de Smith.

É a mesma lógica das petroleiras, que insistiram que colocar chumbo na gasolina não incorria em riscos para as pessoas nos anos 60; ou da indústria tabagista dos anos 90, que refutou qualquer ligação entre fumo e doenças respiratórias; ou ainda todo o lobby que busca desqualificar, ainda hoje, a relação entre as altas emissões de carbono e as evidentes mudanças climáticas. Nos EUA – o xerife do mundo, não custa lembrar – o dinheiro fala muito mais alto do que a liberdade ou a ideologia.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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