Shane Black, responsável por Dois Caras Legais, assume o novo filme da franquia dos caçadores do espaço
Difícil pensar em um diretor melhor para assumir este novo O Predador (The Predator, 2018) do que Shane Black. Ainda como ator esteve em O Predador (Predator, 1987), de John McTiernan, na pele de Hawkins, o primeiro a morrer. Predador 2: A Caçada Continua (Predator 2, 1990), de Stephen Hopkins, deve muito de sua estética à Máquina Mortífera (Lethal Weapon, 1987), de Richard Donner, roteiro escrito por Black. O terceiro, Predadores (Predators, 2010), de Nimród Antal, não tem suas marcas e fez um resultado abaixo do esperado nas bilheterias. Melhor com ele, devem ter pensado os executivos da Fox.
Black é claramente a responsável pelos melhores momentos do filme, o que justifica a escolha dos executivos. São dele as ótimas cenas de grupo, em que os atores funcionam como uma máquina bem lubrificada, trocando piadas entre si em perfeita sincronia. Note, por exemplo, como isso funciona no momento em que se discute que a palavra “predador” é inadequada para descrever a criatura espacial. É o que fez seus melhores filmes – Dois Caras Legais (The Nice Guys, 2016) e Beijos de Tiros (Kiss Kiss Bang Bang, 2005) – serem tão interessantes. A impressão, porém, é que os mesmos executivos que esperavam originalidade de Black, forçaram todo tipo de lugar-comum no roteiro.
Temos o militar de carreira, exemplar, mas traumatizado, que encontra os predadores. Ele logo se vê em uma conspiração do governo, que o coloca em contato com uma doutora em biologia evolucionária – que é capaz de usar armamento militar como quem escova os dentes. Ele vai enfrentar predadores e seu próprio governo para proteger a seu filho autista, que decifra os códigos alienígenas como se estivesse lendo Turma da Mônica, e sua esposa, que desaparece do filme quando o roteiro deixa de precisar dela. Para isso, contará com um grupo de militares traumatizados, que estavam a caminho da internação em um hospital psiquiátrico. A trama básica deste filme já foi exibida milhares de vezes no cinema.
O mergulho em O Predador vai depender do quanto o espectador é capaz de se envolver pela narrativa sem se incomodar com esses sobressaltos, como o da doutora heroína de ação ou da patente superficialidade com que trata distúrbios mentais (autismo como uma espécie de superpoder, tourette como mero alívio cômico). O filme, afinal, é desenhado para consumo imediato e escapista, sem muitas camadas profundas. O primeiro, diga-se, é uma curiosa reflexão sobre a masculinidade e sua fragilidade, enquanto a continuação parte do contexto dos levantes de Los Angeles, do final dos anos 80.
Há, inclusive, um certo desconforto pela superficialidade em relação à revelações recentes. Olivia Munn, que vive a intrépida doutora, exigiu que uma cena sua fosse cortada na edição final. O motivo: ela dividia o quadro com um abusador sexual condenado. Nas entrevistas de divulgação Munn vem dizendo se sentir ostracizada pelo resto do elenco, não dando ao incidente o devido peso. Saber que Black escolhe trazer do original justamente a camaradagem masculina forjada na batalha deixa um certo amargor no fundo da boca.
A franquia Predador é, talvez, a mais mambembe das propriedades dos estúdios hollywoodianos. Ainda assim, tem seus fãs. Não fariam novas continuações caso contrário. Os admiradores vão ficar satisfeitos ao reconhecer algumas referências espertinhas escondidas por Black aqui e ali. Desde um “get to the chopper”, frase icônica de Dutch, vivido por Arnold Schwarzenegger no original, até a presença de Jake Busey, filho de Gary Busey (e idêntico ao pai quando jovem), que interpretou um antagonista na continuação.
De Os Predadores, o terceiro da franquia, este O Predador herda apenas a necessidade de um elenco estrelado. Além da já citada Munn, temos Boyd Holbrook (Narcos), Trevante Rhodes (Moonlight), Jacob Tremblay (O Quarto de Jack), Keegan-Michael Key (Keanu), Sterling K. Brown (This Is Us), Thomas Jane (O Nevoeiro) e Alfie Allen (Game of Thrones), para ficar nos que serão mais facilmente reconhecidos pelo público brasileiro. É o talento do grupo em declamar as falas escritas por Black que carrega boa parte do pouco apelo deste filme.
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Texto publicado originalmente na edição impressa da Gazeta do Povo.