Nada de meio termo com a “Saga Crepúsculo”

Se você está interessado em ler mais um dos milhões de textos que estão publicados internet afora, dedicando parágrafos e parágrafos descascando a “Saga Crepúsculo”, este talvez não seja seu lugar. Claro, não dá para afirmar que o filme seja algum tipo de estado da arte cinematográfica. Muito pelo contrário. Mas há que se parar um pouco para pensar sobre um fenômeno que segue arrastando multidões aos cinemas.

Se você, como eu até algumas semanas atrás, não tem ideia do que se trata a “Saga Crepúsculo”, vamos a um breve histórico:

Em “Crepúsculo”, Bella Swan (Kristen Stewart) vai passar algum tempo na casa de seu pai, em Forks, cidade que fica nas montanhas, onde está quase sempre chovendo. Ela logo começa a se enturmar e acaba chamando atenção do frio e distante Edward Cullen (Robert Pattinson). Em pouco tempo ela descobre que ele é um vampiro e que ele está obcecado nela, ou em seu sangue. Mas ele resolve se controlar, parte por cavalheirismo, parte por “vegetarianismo”, já que ele não bebe mais sangue humano. Boa parte do filme envolve a câmera girando em volta de Bella e Edward, que se olham apaixonados. Por fim, Bella quase morre, Edward se sente culpado e se afasta dela.

No segundo filme, “Lua Nova”, Bella morre de saudades de Edward e começa a ficar meio pancada por conta disso. A câmera gira muito em torno dela por isso. O afastamento de Edward é o motivo que Jacob Black (Taylor Lautner), seu amigo de infância, tinha para se aproximar. Mas ele acaba precisando se afastar dela, parte por cavalherismo, parte porque ele é um lobisomem e teme pela segurança de Bella. Ela quase morre, Jacob quase morre e Edward quase morre. Mas tudo acaba bem, com um pedido de casamento, e muita câmera girando.

No terceiro, “Eclipse”, tudo fica acertado para que Edward transforme Bella em vampiro, mas só depois do casamento. Jacob não aceita, já que vampiros e lobisomens são inimigos naturais. Mas, para proteger Bella de uma quase morte horrenda, eles precisarão juntar suas forças. Acontece uma batalha um pouco anti-climática, se você já viu “O Senhor dos Anéis”, todo mundo quase morre e Edward e Bella resolvem que vão se casar mesmo.

O último filme, “Amanhecer”, foi dividido em duas partes. Mas mostrará Bella se casando e engravidando de Edward na lua de mel que se passa no Brasil. Ao que tudo indica o parto deixará Bella beirando a morte, o que faz com que ela necessite ser transformada em vampiro para sobreviver. A segunda parte vai focar na filha dos dois, Renesmee, que é parte humana e parte vampira, por isso tem poderes diferentes.

É incrível como uma história com tão pouco argumento faça tanto sucesso. Claro que há toda uma miríade de detalhes que os parágrafos anteriores não contemplaram. Existem várias informações envolvendo a cultura tanto dos vampiros, quanto dos lobisomens, além de dezenas de cenas de Edward e Bella sozinhos no meio do mato, apenas ficando juntos (com a câmera girando em volta).

A questão é que toda a “Saga Crepúsculo” encontra eco em um conservadorismo que vem ganhando terreno entre os jovens, especialmente do lado de cá do Atlântico. Afinal, e não se engane quanto a isso, “Crepúsculo” é um conto moral. É sobre como uma jovem precisa estar cercada de homens corajosos e respeitadores de sua honra. Ela só poderá ser ‘violada’ ou transformada em vampiro, como queira, depois de já estar devidademente casada.

Isso é sugerido através de metáforas nos dois primeiros filmes e finalmente escancarado no terceiro, quarto e quinto. Seja com Edward que precisa se segurar por conta do sangue viciante e delicioso de Bella (“uma heroína feita exatamente para mim”, chega a dizer), seja com Jacob que, ao virar homem (ou se tornar lobisomem em clara metáfora sobre a puberdade), afasta Bella por medo do que seu lado animal pode fazer com ela. Jacob chega a ser emblemático, com sua defesa da terra e da família acima de tudo. O terceiro filme chega a deixar de lado a, digamos, sutileza da metáfora ao mostrar Edward se recusando a fazer amor com Bella.

A história está alinhada em um tipo de mentalidade que foi forjada pela própria Hollywood, ou, no caso brasileiro, também pelas novelas. Tanto Edward quanto Jacob são as personificações do cavaleiro de armadura. Eles são mais preocupados com a integridade, tanto física quanto da honra, de Bella do que ela própria. A insistência de Edward pelo casamento chega a ser vexaminosa para o eventual namorado enrolador que tenha sido arrastado para o cinema.

Ao mesmo tempo, Stewart, muito pela tão citada falta de expressividade, acaba sendo perfeita para a transferência das meninas que sonham em ser tratadas como Edward ou Jacob a tratam. Todos os motivos que fazem os dois se interessarem por ela são, no mínimo, metafísicos, como a característica especial de seu sangue ou, como veremos nos próximos filme, uma questão genética aleatória.

Assim fica até fácil acreditar em amor à primeira vista.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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